Extraído da Revista Patriarcal vol 29 – Out-Nov/1991 – nº. 10/109
Páginas 463-470
Homilia proferida por SS o Patriarca Mar Ignatius Zakai I, Iwas,
Sumo Pontífice da Cátedra Sirian Ortodoxa de Antioquia e de todo o Oriente por ocasião da Festa de Celebração do Encontro da Cruz comemorada a 14 de setembro e também por ocasião do XI aniversário de entronização de SS.
“Porque a palavra da cruz é na verdade uma estultícia (loucura) para os que se perdem; mas, para os que se salvam, que somos nós, é ela o poder de Deus!”
(I Coríntios 1:18)
Como são abençoados aqueles que se salvam através da cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pois alcançaram o poder divino de vencer Satã (o demônio) e o pecado! Para eles a morte natural tornou-se uma transição da miséria que é esta vida transitória, para a glória isto é a vida eterna
Como são miseráveis aqueles que estão morrendo, pois, eles não conhecem os santos sacramentos, perderam seu poder e os sacramentos tornaram-se inexistentes para eles. O salmista não escreveu sobre pessoas como estas? “Diz o insensato em seu coração: não há Deus – Corromperam-se e perpetraram abominações; já não há quem pratique o bem” (Salmo 13:1). Pois, aquele que chafurda numa poça de corrupção e pecado e não compreende as lições celestiais é considerado um tolo porque desconsiderou Deus, assim como os idolatras que estavam muito longe do verdadeiro Deus, adorando o criado e não o Criador. São ignorantes do poder da cruz, porque não acreditam no plano divino da salvação da humanidade, não entendem o trabalho secreto da redenção, não acreditam no amado Redentor, e, em especial com relação aos judeus “porque se eles conhecessem, nunca crucificariam ao Senhor da Glória” (I Coríntios 2:8), pois estes que foram confiados a proteger os profetas, a lei e os códigos; a cruz tornou-se uma pedra de tropeço, porque não queriam estudar os profetas ou entender o segredo da redenção. Por isto perderam o poder da cruz que é chamado por São Paulo, o poder de Deus.
O poder da cruz deriva do mérito da morte de Cristo nela e a Sua ressurreição dentre os mortos que anunciou a aceitação do Pai da reparação do Crucificado na Sua redenção da humanidade como bem expressou o apóstolo Pedro para o sumo-sacerdote dos judeus a respeito de Jesus Cristo: “O Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus, a quem vós destes a morte, pendurando-o num madeiro. A este elevou Deus com a sua destra por príncipe, e por salvador, para dar o arrependimento a Israel, e a remissão dos pecados”. (Atos 5: 30-31); pois, milhões de pessoas foram crucificadas antes de Cristo ser crucificado, mas nenhuma delas levantou-se dentre os mortos; seus nomes foram apagados e suas almas se foram e nada deixaram a não ser memória. Mas, só o Senhor Jesus, que foi crucificado, morreu na cruz e foi enterrado num túmulo, levantou-se dos mortos ao terceiro dia, e, levantou-nos com Ele e está à sua direita no céu onde também nos assentou. Desde que foi crucificado por nós e nos redimiu da maldição da lei, Ele se tornou maldito por nós como está escrito: “O Cristo nos remiu da maldição da lei, feito ele mesmo maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que é pendurado no lenho” (Gálatas 3: 13) e “porque maldito é de Deus aquele que está pendente dum lenho” (Deuteronômio 21: 23); então, Cristo trocou a maldição da cruz por uma primavera celestial de bênçãos e graças espirituais, e a cruz se transformou na bandeira da igreja cristã, seu símbolo e objeto de jactância. Depois de ser um sinal de fraqueza e humilhação tornou-se um símbolo do poder de Deus e da glória da Sua Igreja. Este poder divino é tomado por todo aquele que crê alcançar a salvação através do sangue de Jesus Cristo que foi derramado na cruz; que o sangue de Cristo é verdadeiramente o sinônimo da cruz, pois é o sangue do Deus Encarnado, como o apostolo Paulo diz aos sacerdotes de Efeso: “atendei por vós e por todo o rebanho, sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para governardes a igreja de Deus, que ele próprio adquiriu pelo seu próprio sangue” (Atos 20: 28).
A cruz é análoga a todo o evangelho como o apostolo Paulo ensinou aos coríntios: “Porque julguei não saber coisa alguma entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado” (I Corintios 2: 2) pois, não há evangelho de salvação sem a crucificação de Cristo e sua ressurreição dos mortos. Cristo através da cruz nos deu as graças da justificação e santificação, alem da graça da adoção, tornando-nos escolhidos para estar diante do Pai celeste não como escravos, mas como filhos pela graça de chamá-Lo com a coragem peculiar dos filhos dizendo: “Pai nosso que estás no céu”. “Ele nos gerou do alto não da vontade da carne ou da vontade do homem, mas de Deus” (João 1: 13), pois o poder da cruz é a reconciliação do céu com a terra. A terra obtém a vida do céu depois de crer no Senhor do céu e aceitando seu plano da salvação.
Este poder é a vitória sobre Satã para que cada um que fizer o sinal da cruz à sua fronte com fé, atemoriza Satã, e, todos os demônios juntos fogem de uma criança nova cristã que se persigna com o sinal da cruz, pois, aquele Santo Crucificado nos dá força espiritual para cada um se tornar num campeão espiritual e um pequenino Cristo. A criança merece a vitória que Cristo nos dá por sua graça através da sua vitória sobre Satã dominando-o na cruz e entregando-nos a cruz como uma arma espiritual afiada. Este poder divino escondido na Santa Cruz foi origem de inspiração do apóstolo Paulo para anunciar diante do povo que o ouvia: “mas nunca Deus permita que eu me glorie, senão na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo: por quem o mundo está crucificado para mim, e eu crucificado para o mundo”.(Gálatas 6: 14) “e vivo, por melhor dizer, não sou eu já o que vivo: mas Cristo é o que vive em mim. E se eu vivo agora em carne; vivo na fé do filho de Deus, que me amou, e se entregou a si mesmo por mim.”(Gálatas 2:20).
Sim, a fé em Jesus crucificado, o Redentor da humanidade, exige dos crentes ambas vida e morte que é a partilha completa com Cristo da sua paixão e morte na cruz, pois, assim os crentes morrem para o mundo e seu pecado. Também exige a vida através de Jesus que se levantou dos mortos: a vida que é a ressurreição espiritual na unidade com Cristo que disse: “Eu sou a ressurreição e a vida. O que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. E todo o que vive e crê em mim, não morrerá eternamente”. (João 11: 25-26). Assim o apóstolo Paulo crucificou a si mesmo com Cristo, ganhou a vida com Cristo e descobriu o segredo do poder da cruz de Cristo. Inicialmente a cruz foi um tropeço para ele, Paulo, e um obstáculo para a fé no Cristo o Salvador, mas depois se tornou um caminho suave dele para Cristo. Mais ainda ela tornou-se para ele “vida e glória” (Gálatas 6: 14).
Sim, o conhecimento de Jesus Cristo crucificado em verdade é a revelação de dois sacramentos: encarnação e redenção. Este conhecimento é também uma confissão de que Cristo veio e encarnou-se e foi tentado como nós em tudo exceto pelo fato de não ter cometido pecado e morreu em corpo na cruz para expiar nossos pecados. Por isso fazemos o sinal da cruz sobre nossas faces dizendo: em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo Vivo, Um só Deus Verdadeiro! (BXEM ABO, UABRO, URUHO HAIO KADIXO, HAD ALOHO XARIRO – em aramaico) proclamando a nossa fé no sacramento da Santíssima Trindade, um único Deus, e na igualdade em essência das três pessoas desta Trindade e nos dois sacramentos: da encarnação e redenção, e no trabalho reparador da cruz. E, é por isso que os cristãos tomaram a Cruz como seu símbolo desde o início do cristianismo levantando-a como bandeira da Igreja.
Com este profundo entendimento a rainha cristã Helena, mãe do imperador Constantino no quarto século da era cristã, prometeu empenhar-se em buscar a Cruz se seu filho, o imperador Constantino acreditasse em Jesus Cristo como redentor da humanidade. Ela rezava persistentemente dia e noite, jejuava e praticava a caridade para que o Senhor ouvisse sua súplica. Deus desejoso disto mostrou a Constantino o sinal da Cruz no céu ao meio dia e com este sinal escreveu as palavras: “com este sinal você vencerás”, assim Constantino tomou o sinal da Cruz como sua bandeira e do seu exercito e venceu seus inimigos. Tornou-se cristão e sua mãe cumpriu sua promessa no ano 326 AD indo para a Terra Santa procurar pela Cruz e a encontrou. Ela teve certeza que era a Cruz verdadeira na qual Nosso Senhor Jesus Cristo foi pendurado no Golgota através de um milagre; quando colocado o corpo de um jovem recém morto sobre a Cruz o jovem ressuscitou, e então o bispo da cidade abençoou o povo com a Santa Cruz de Cristo.
Verdadeiramente a Igreja Cristã venera a Santa Cruz como venera o sinal da Cruz, assim como os cidadãos honram a bandeira do seu país, pois, desta forma honram sua nação e sua pátria. Todo aquele que honra seu país, honra sua bandeira que é o símbolo da sua dignidade. Nós honramos a Cruz, adoramos aquele que foi crucificado nela, morreu e ressuscitou dos mortos triunfando sobre a morte, Satã e o pecado, e, através dela nos deu a vitória contra estes três inimigos. Na Cruz vemos o sacramento da salvação assim como o povo no Velho Testamento no deserto quando foram atacados por cobras que mordiam, levantaram seus olhos com fé para a cobra de cobre suspensa sobre a vara no centro da área para salvar-se da morte. Nós, povos siríacos não colocamos uma estatua de Jesus sobre a Cruz porque Ele que morreu na Cruz foi baixado da Cruz e enterrado num túmulo novo e gloriosamente ressuscitou ao terceiro dia, portanto, Ele não mais está na Cruz. A Cruz está sem Ele. Assim quando respeitamos e veneramos a Cruz, em verdade adoramos Aquele que foi crucificado nela. Não adoramos uma estatua e não é de se admirar ser o resultado dos filhos de Israel adorando uma cobra de cobre nos tempos do rei Ezequias; este rei fiel destruiu aquela cobra e atirou-a ao fogo com o resto dos ídolos porque ela tornou-se a razão da destruição do povo depois de ter sido sua fonte de salvação (4Reis – 18: 4).
Respeitando o sinal da Santa Cruz, nós, de qualquer modo estaremos adorando o Senhor Jesus, que foi nela crucificado por nós e pela nossa salvação. Adoramos a Cruz porque é a Sua bandeira (bandeira do Cristo) e a bandeira da Sua Santa Igreja, e, através dela todos os sacramentos tornam-se santificados. Adoramos o lenho da Cruz porque tocou o corpo do Nosso Senhor Jesus Cristo e o seu sangue foi derramado sobre ela; e, se sabemos que o manto que tocava o corpo de São Paulo tinha o poder celestial extraordinário de curar assim que era colocado sobre os enfermos, quanto mais crível é que o madeiro sobre o qual Nosso Senhor foi crucificado e o seu Santo Corpo tocou pode auferir poder santo para curar as almas e os corpos dos fiéis?!
Os abençoados santos padres da Igreja ensinavam “se a árvore da vida estava plantada no meio do Paraíso simbolizando o madeiro sobre o qual o Messias foi pendurado, e, se os pais primeiros foram proibidos de comer deste fruto depois de terem pecado para que não lhes fosse concedida a vida eterna em estado pecaminoso, então sua prole teria o direito de comer do fruto da salvação que vem da crucificação de Cristo sobre o madeiro, depois de esta prole ter tido outorgada a redenção através da crucificação do Enviado Celestial e os crentes tornaram-se justos através da reparação, e se tornaram santos, destinados à vida eterna no Cristo Crucificado!”
O madeiro da Cruz e o seu sinal simbolizam o cordeiro pascal que foi lambuzado nos postes (batentes) das portas e no travessão da porta de cada casa do povo da velha aliança no Egito; e, quando o anjo da morte via o sangue pascal não destruía o primogênito daquele lar. Assim, o sinal da cruz salvou os primogênitos do povo da antiga aliança.
Sim, meus amados, pois nós somos os que somos salvos, a palavra da Cruz é o poder de Deus e o sinal da Cruz é o sinal do nosso Santo Messias que desejoso que este se tornasse o símbolo de todos aqueles que verdadeiramente querem tornar-se seus discípulos, pois Ele, glória a Ele, disse: “E o que não leva a sua cruz, e vem, e, me segue, não poderá ser meu discípulo”. (Lucas 14: 27). Disse ainda ao povo e aos seus discípulos todos juntos: “Se alguém me seguir, negue-se a si mesmo: e tome a sua cruz, e siga-me. Porque o que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á: Mas o que perder a sua vida por amor de mim, e do Evangelho, salva-la-á”. (Marcos 8: 34-35). Portanto, não é possível tornar-se discípulos do Messias se não negarmos a nós mesmos. Negarmos a nós mesmos significa que o crente confessa a sua própria fraqueza, o poder de Deus Todo-Poderoso e a necessidade do fiel para quem o poder de Deus não tem nada igual no universo, Santo é o Seu Nome. Mas, carregar a cruz é a última rendição ou renuncia, e os discípulos de Cristo enterraram suas ambições com Cristo assim eles não mais olhavam por si mesmos, mas para a salvação dos outros.
A Cruz é o reconhecimento do direito à salvação para os pecadores moribundos dentre nossos irmãos na humanidade; por estes e para a sua salvação, e a nossa salvação, Cristo carregou sua cruz e foi pendurado nesta cruz. Assim os discípulos de Cristo devem empenhar-se e lutar pela salvação dos povos para que comunguem a redenção e se tornem filhos de Deus por sua graça. Discipulado a Nosso Senhor Jesus Cristo, autonegação bem como carregar a Cruz: todas estas santas coisas lembram-nos nestes momentos do glorioso dia histórico quando sentamos na Apostólica Cátedra de Antioquia por graça e não por merecimento. E hoje pela graça de Deus pisamos no limiar do décimo segundo ano do nosso Patriarcado, começamos nosso trabalho neste ano com a mesma fé, autonegação e sacrifício carregando a cruz da nossa paciência e tolerância. Carregar a Cruz é a prova da nossa confissão do seu poder divino e a nossa confissão da nossa fragilidade e total dependência dEle, Ele a quem a glória é devida, pois Ele é aquele que diz a nós como disse ao apóstolo Paulo: “Basta-te a minha graça: porque a virtude se aperfeiçoa na enfermidade” (II Corintios 12: 9). Pela graça de Deus o Altíssimo, fomos escolhidos para servir a Sua Igreja, e, Ele nos chamou para dividir a carga da Cruz buscando a salvação das almas. E, não há dúvidas quanto a isto, pois, nós O vimos no caminho para o Golgota exausto dos seus sofrimentos; enquanto andava seu sangue escorria do seu corpo ferido, conseqüência da severa surra e socos fortes. Depois de torturá-Lo com chicotadas selvagens, quando se mostrava impossibilitado de carregar a cruz, Simão o Cireneu foi recrutado para carregar a cruz no seu lugar. Com este fato aprendemos que Jesus Cristo permite à humanidade carregar a Sua Cruz, carregando consigo a responsabilidade da salvação da humanidade e dividindo com ele o trabalho da redenção humana. Pois, a responsabilidade da salvação através da Cruz foi dada a nós através da Santa Igreja; no Corpo Sacramental de Cristo que teve a dignidade de ter o mérito da redenção na Cruz e de preservar quem como nós guarda com nossos próprios olhos e distribui estes méritos, esta benesse aos seus filhos, os fiéis, para que eles se tornem discípulos de Cristo, seu Senhor, seu Noivo e sua Cabeça.
Deus do alto nos preparou desde quando éramos criancinhas para ser discípulos de Cristo assim como nos preparou para sentar no trono de Antioquia por sua graça e não por nosso merecimento. Por esta razão levantamos a Sua majestade graças, pois ele nos concedeu estes passados onze anos nos quais carregamos o fardo do Patriarcado.
Agradecemos a todos os membros do Santo Sínodo, o respeito aos metropolitas (bispos) que por inspiração divina elegeram-nos patriarca para portar a bandeira diante deles no trabalho da Igreja de Deus adquirida (a bandeira) com o Seu sangue para glorificar Seu Santo Nome e para a salvação dos filhos de Deus.
Também, meus amados, agradecemos os respeitosos metropolitas participes conosco desta oração neste dia. Deus lhes dê sucesso no seu serviço apostólico e que Deus esteja com todos nós nos dias porvir como estava conosco nos anos passados, pois, sem Ele, glória a Ele, como Ele mesmo disse; “porque vós sem mim não podeis fazer nada” (João 15: 5). Agradecemos a todos vocês clero e povo, pedindo a Deus para abençoar-vos com a Sua Santa Cruz e vos preserve a vocês e seus filhos e vos prepare para o dia em que o sinal da Cruz aparecerá no céu anunciando a segunda vinda do Senhor Jesus, e, que vocês todos estejam entre o numero daqueles marcados pela sua Cruz, salvos pela Cruz e “os que obraram bem saiam para a ressurreição da vida” (João 5: 29) com os justos que no dia do juízo final estarão com as ovelhas à sua direita ouvindo a sua doce voz dizendo-lhes: vinde benditos de meu Pai, possuí o reino que vos está preparado desde o princípio do mundo” (Mateus 25: 34) e assim herdareis com Ele o Reino dos Céus: esta posição que eu desejo para mim e para todos vocês, por sua Graça, Amen.