ENCÍCLICA PATRIARCAL PARA A QUARESMA DE 2004
EM NOME DAQUELE QUE POR SÍ PRÓPRIO EXISTE, SEMPIETERNO, DE EXISTENCIA NECESSÁRIA, O TODO PODEROSO; IGNATIUS PATRIARCA DA SANTA SÉ DE ANTIOQUIA E DE TODO O ORIENTE, SUMO PONTÍFICE UNIVERSAL DA IGREJA SIRÍACA ORTODOXA DE ANTIOQUIA NO MUNDO, ZAKKA I, IWAS.
Oferecemos nossa benção apostólica, oração e saudações no Senhor a nossos irmãos, suas eminências os metropolitas, a nossos filhos espirituais os veneráveis sacerdotes, monges, freiras, diáconos, diaconisas e a nosso abençoado povo siríaco ortodoxo. Que a Divina Providência os envolva através das orações da Virgem Maria a Mãe de Deus e São Pedro o líder dos apóstolos juntamente com os demais mártires e santos, amem.
A BÍBLIA SAGRADA
Amados:
O Santo Sínodo da nossa Igreja Siríaca Ortodoxa Antioquina que presidimos de 9 a 12 de setembro de 2003 decidiu designar o ano de 2004 como o “ANO DA BÍBLIA” atendendo também, a solicitação de muitas sociedades bíblicas mundiais.
O propósito é estimular os fiéis a persistir na sua fé acessível a nós nas suas linguagens originais, fé esta verdadeira desde que foi escrita pelos profetas e apóstolos e transmitida aos nossos santos padres que por sua vez entregaram-na, a nós inteira e exata sem acréscimos ou subtrações.
Além disso, todos os cristãos de acordo com as suas diferentes línguas e culturas concordam que a Bíblia Sagrada é de inspiração divina e que é a Palavra do Deus Vivo! Com referencia a isto São Paulo diz: “Toda a Escritura divinamente inspirada, é útil para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, estando preparado para toda a boa obra” (II Tim 3:16-17). Estas palavras “divinamente inspiradas” inspiraram especialmente os profetas e apóstolos do Senhor Jesus. Ele ditou-lhes os mandamentos e doutrinas da fé na qual eles deveriam crer, e eles, ainda por sua vez, entregaram esta herança divina à humanidade. Mais ainda, Deus ordenando-lhes registrar num livro estas verdades por Ele inspiradas, transformou-as no farol iluminador da sua geração e de todas as futuras gerações para todo e sempre.
Nitidamente as Igrejas Cristãs em todos os lugares afirmaram, sem dúvida, que o foco da Bíblia Sagrada é Jesus Cristo, o Salvador da humanidade.
Certamente o propósito final de redigir esta inspiração divina era de informar o mundo dos dogmas da fé nos quais devemos crer; dos divinos mandamentos que devemos respeitar e das nobres virtudes cristãs com as quais devemos nos revestir para obter a salvação através da fé no Senhor Jesus, o Salvador do mundo. O apóstolo João no final do seu Evangelho explica isto dizendo: “mas foram escritos estes a fim de que vós creais que Jesus é o Cristo, Filho de Deus: e de que crendo-o assim, tenhais a vida em Seu nome”. (Jo 20: 31).
Certamente a Bíblia Sagrada detém uma posição elevada na nossa Santa Igreja Siríaca pois contém as palavras do Deus Vivo e é a primeira e principal fonte dos nossos artigos de fé e leis celestiais. A Bíblia Sagrada testemunha em muitos lugares como, por exemplo, no livro de Jeremias (30:12) “Isto profere o Senhor Deus de Israel, dizendo; escreve tu em um livro todas as palavras que Eu te tenho dito” e, também, São Paulo declara: “porque vos faço saber, irmãos, que o Evangelho, que por mim vos tem sido pregado, não é segundo o homem: porque eu não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas sim por revelação de Jesus Cristo”. (Gal 1: 11-12) e mais ainda Pedro acrescenta: “Porque em nenhum tempo foi dada a profecia pela vontade dos homens: mas os homens santos de Deus é que falaram inspirados pelo Espírito Santo”. (II Pe 1: 21). São Pedro explica que Deus Todo poderoso escolheu pessoas virtuosas e inspirou-as a fim de entregar Sua mensagem à humanidade para que (a humanidade) pudesse aprender sobre Sua natureza divina e seus estatutos celestiais. Através destas pessoas Deus revelou Sua divina promessa de enviar Seu Filho Único para a salvação do mundo. Assim estas pessoas virtuosas proclamavam e registravam suas profecias exatas através das Sagradas Escrituras que palavra por palavra vieram a se cumprir na pessoa do Nosso Senhor Jesus no tempo da Sua dispensação na carne. Com relação a isto, São Paulo nos diz: “Deus, tendo falado muitas vezes de muitos modos noutro tempo a nossos pais pelos profetas; ultimamente neste dias nos falou pelo Filho, ao qual constituiu herdeiro de tudo, por quem fez também os séculos: o qual sendo o resplendor da glória é a figura da Sua substância, e sustentando tudo com a palavra da Sua virtude, havendo feito a purificação dos pecados, está sentado à direita da Majestade nas alturas”. (Heb 1: 1-3).
Assim, a Bíblia Sagrada, a verdadeira fonte dos dogmas da fé para a nobre fé Cristã, é a autoridade absoluta no que se refere aos assuntos da fé. E, portanto, todos os fiéis devem seguir seus ensinamentos divinos, permanecendo inteiramente firmes nos assuntos da fé e praticando todos os princípios da fé e da conduta virtuosa.
Nossos santos padres têm baseado todos os seus ensinamentos na inspiração divina registrada nos livros da Bíblia Sagrada. Eles mergulharam profundamente nas Sagradas Escrituras e colheram as preciosas e valiosíssimas pérolas que estabeleceram os verdadeiros dogmas da fé. Eles de fato consagraram os santos versículos nos seus inumeráveis escritos espirituais. Assim por exemplo foi dito que: “suposto que se todas as Bíblias Siríacas do mundo desaparecessem, nós poderíamos reconstituir a Bíblia Sagrada a partir das anotações nos escritos de Santo Efrem, o Siríaco, do quarto século”.
Em verdade, a história da Igreja testemunha que nossos santos padres foram os pioneiros nos estudos e comentários sobre a Bíblia Sagrada. Eles a traduziram em várias línguas e nossos mosteiros e igrejas estão repletos com suas cópias que nossos monges, padres e muitos outros escreveram na sagrada língua siríaca.
Assim veremos que as cópias antigas mais importantes espalhadas nos museus do mundo foram escritas nesta língua e, além disso, é insigne saber que nossos padres também carregaram a tocha da Bíblia Sagrada a muitas regiões do mundo. Eles indicaram trechos específicos da Bíblia Sagrada para leitura aos domingos e dias santos no início dos serviços da Santa Eucaristia. Compuseram orações específicas para serem recitadas antes da leitura do Evangelho; ou ainda durante suas meditações particulares, públicas ou mesmo meditações litúrgicas. Através destas orações imploravam a Deus para iluminar suas mentes a fim de entender as palavras da vida eterna.
Este lugar (ou posição) venerável que a Bíblia Sagrada alcançou na nossa Santa Igreja é testemunhada de acordo com o nosso rito siríaco através do posicionamento da Bíblia Sagrada sobre um púlpito de madeira no centro da entrada do santuário em cada igreja. O frontispício (ou capa) da Bíblia normalmente é coberto com uma placa de prata ou ouro sobre a qual são gravados a Cruz e os ícones dos quatro evangelistas. A Bíblia Sagrada é exposta para ser beijada pelos fiéis a fim de alcançarem as graças através da palavra divina no início e no término das orações. Deste modo eles veneravam a Palavra de Deus, a Bíblia Sagrada, e assim recebiam através dela a Benção de Cristo, o Verbo Divino, que desde o início como expresso pelo apóstolo João no seu Evangelho: “E o Verbo se fez carne, e nós vimos a sua glória, a sua glória como de Filho Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”. (Jo. 1:14).
A Igreja compôs também, hinos especiais através dos quais convida os crentes a perfilar-se com sabedoria e ouvir as palavras do Evangelho da Salvação enquanto o incenso ocupa o ar.
De acordo com a nossa tradição siríaca, aquele que celebra a Santa Liturgia deve, ele próprio, ler o Santo Evangelho seja ele patriarca, bispo ou padre.
Por isso a nossa Santa Igreja obriga todo o clero e fiéis a estudar a Bíblia Sagrada e lê-la em público e em particular.
Vamos aprender com o primeiro salmo em que Davi promete bênçãos aos homens virtuosos: “Ditoso o homem que não se deixa levar pelos conselhos dos ímpios, nem envereda pelo caminho dos pecadores, ou toma assento na companhia dos soberbos, mas se compraz na lei do Senhor e a medita dia e noite”. (Sl 1: 1-2). Assim também, Davi exalta a Deus dizendo: “Facho ante os meus passos é a vossa palavra, Luz na minha senda. Juro e determino guardar os vossos justos decretos”. (Sl 108: 105-106). Indubitavelmente então os virtuosos são zelosos em estudar a Bíblia Sagrada. Eles aplicam, também, os preceitos divinos em suas mentes, palavras e atos. Segundo São Paulo: “Somente vos recomendo que vos porteis conforme ao Evangelho de Cristo: para que, ou seja, que eu vá ver-vos, ou que esteja ausente, ouça de vós que permaneceis unânimes em um mesmo espírito, trabalhando concordemente na fé do Evangelho”. (Flp 1: 27).
Meus amados, o advento da Santa Quaresma nos dá uma oportunidade áurea para nos aproximarmos de Nosso Senhor Jesus através da fé vibrante e das boas ações; emulando Sua vida na carne, carregando sua Santa Cruz e seguindo-O. Vamos aprender com Ele, jejuando e orando, pois, Ele jejuou quarenta dias e quarenta noites por nós; Ele deixou ser tentado por Satã, e Ele citou as Sagradas Escrituras para confundir o diabo maldito, revelando-nos assim o segredo de derrotar o diabo dizendo: “Mas esta casta de demônios não se lança fora, senão à força de oração e de jejum”. (Mt 17: 20).
Por isso meus amados: perseverai na oração e praticai o jejum; sede generosos com os necessitados especialmente durante estes santos dias que a Igreja chama de Santa Quaresma.
A Igreja-mãe nos ensina a nos reunirmos em torno das Sagradas Escrituras e meditar sobre sua importância principalmente na serenidade da noite. Uma vez que através das orações comungamos com Deus Todo poderoso e oferecemos-Lhe gratidão por suas benesses espirituais e materiais, assim, devemos nos juntar, também, aos anjos glorificando-O e adorando-O. Mais ainda, nós temos de ouvir atentamente com fé, esperança e amor as Suas Santas Palavras que os profetas, apóstolos e santos padres registraram nas Santas Escrituras, pois: “Deus tendo falado muitas vezes de muitos modos noutro tempo a nossos pais pelos profetas ultimamente nestes dias nos falou por seu Filho”. (Heb 1: 1-2). Quem é o Verbo Divino a respeito de quem João, a fala divina, disse: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele; e nada do que foi feito, foi feito sem Ele. Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens… e o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e nós vimos a sua glória, a sua glória como de filho Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”. (Jo 1: 1-14). É por isso que devemos crer nEle e obedecê-Lo, porque o Pai celeste testifica dEle pela voz que surgiu do céu durante a transfiguração do Senhor Jesus na montanha: “E eis que saiu uma voz da nuvem que dizia: Este é aquele meu querido Filho em quem tenho posto toda a minha complacência. Ouvi-O”. (Mt 17: 5).
Possamos nós ouvir o Senhor Jesus, o Filho Único de Deus que nos ordena jejuar, orar e ter misericórdia dos pobres e dos irmãos necessitados para que sejamos dignos de herdar com Ele seu reino celeste.
Amados, que Deus vos abençoe e vos torne capazes de renovar vossa relação espiritual com Ele e que vos esforceis em ouvir seu chamado divino, e, possam entender Seu desejo celestial através do estudo da Bíblia Sagrada pela qual Deus nos fala conduzindo-nos e aliviando nossa caminhada, pois, Ele é a luz que ilumina nossos paços para que possamos trilhar fielmente e que não tropecemos na nossa jornada.
Deus aceite vosso jejum e vossas orações e vos torne dignos de celebrar em santidade, pureza e alegria, a sua Santa Ressurreição dos mortos.
Que a Sua graça permaneça com vocês!
Pai nosso…
Emitida na nossa Santa Sé Patriarcal em Damasco na Síria no trigésimo dia de janeiro de dois mil e quatro, o vigésimo quarto ano da nossa entronização patriarcal.